NADANDO
Semana 4 - Finanças Comportamentais - Parte 1
Ao longo das últimas semanas, você acompanhou diversos assuntos relacionados ao universo financeiro.
Vamos continuar essa jornada de conhecimento trazendo um tema que tem ganhado mais destaque nos últimos anos: economia comportamental.
A Economia Comportamental, segundo Dan Ariely, em seu livro Previsivelmente Irracional, tem como objetivo entender e modelar as decisões dos indivíduos de forma mais próxima da realidade, buscando compreender as influências comportamentais conscientes e inconscientes que afetam nossas escolhas.
Você já parou para pensar como você toma decisões no dia a dia? Quando pega o carro e começa a dirigir, sem nem perceber o que faz efetivamente para se mover de um local a outro? E quando você tem um problema de matemática, no qual precisa pensar um pouco mais para resolver?
A Economia Comportamental explora alguns conceitos como esses para nos ajudar a entender melhor como tomamos decisões. Pelo Guia de Economia Comportamental e Experimental, publicado em 2015, as organizadoras Flávia Ávila e Ana Maria Bianchi trazem conteúdos de diversos autores, no qual há o destaque de que a Economia Comportamental entende que as pessoas decidem com base em hábitos, experiências pessoais e regras práticas; apresentam dificuldade de conciliar interesses de curto e longo prazo e são influenciadas por fatores emocionais.
É comum pensarmos que temos controle sobre nossas atitudes e escolhas, porém, muitas vezes, estamos apenas executando um processo que já foi predeterminado pelo nosso cérebro, e sequer há uma chance de pensarmos o contrário.
No livro Rápido e Devagar – Duas Formas de Pensar (2011), o autor Daniel Kahneman menciona que somos direcionados por um modelo de processamento dual, conhecido como Sistema 1 e Sistema 2.
- No Sistema 1, atuamos no Reino das Heurísticas, agindo de forma automática, intuitiva e emocional, inconsciente e sem muito esforço. É um processo mais rápido.
- No Sistema 2, atuamos no Reino da Lógica, fazendo algo de forma deliberada e consciente. É um processo mental controlado e mais trabalhoso, onde a tomada de decisão é mais devagar.
Você sabe o que é uma heurística?
Nosso subconsciente guarda informações que são acessadas, quando precisamos. Uma heurística é um processo cognitivo que ignora parte da informação com o objetivo de tornar a escolha mais fácil, ou seja, é um atalho mental que permite tomar as decisões de forma mais rápida (BAZERMAN,& MOORE, 2008; KAHNEMAN & TVERSKY, 1974).
Essas heurísticas são acionadas, quando precisamos tomar alguma decisão. No entanto, em alguns momentos, podemos acionar um comportamento que não é o mais adequado para uma decisão mais assertiva (Kahneman, 2011).
Existem três heurísticas fundamentais, que consideram muitos vieses envolvidos (BAZERMAN,& MOORE, 2008; KAHNEMAN & TVERSKY, 1974)):
Disponibilidade
A heurística da disponibilidade indica que alguém define a probabilidade de algo acontecer pela facilidade com que se lembra de um evento similar ter acontecido no passado. Explica como nossas decisões são afetadas pela disponibilidade das informações que temos acesso. Informação que vem rapidamente na nossa mente é usada para tomar decisões e deixar de usar fatos completos que nos permitam avaliar a informação toda.
Representatividade
O uso de atributos similares para julgar a probabilidade da ocorrência de um evento e não olhar para os dados e as estatísticas.
Ancoragem
Estimar algo aplicando ajustes incompletos sobre uma âncora escolhida arbitrariamente. Uma pessoa define um conceito a partir de uma informação inicial – relevante ou não – fornecida anteriormente.
Dentre os muitos vieses que nos acompanham no dia a dia, o Guia da Economia Comportamental e Experimental (2015) destaca:
Vieses de Ação
- Excesso de otimismo: superestimamos o futuro positivo e subestimamos o futuro negativo.
- Excesso de confiança: superestimamos as nossas habilidades e o nosso controle sobre o futuro
Vieses de Percepção
- Viés de confirmação : a exceção que confirma a regra.
- Viés de conformidade : esforçamo-nos no consenso.
- Egocentrismo : focamos no nosso ponto de vista.
Vieses do Enquadramento
- Aversão às perdas : somos conservadores se nos sentimos em região de lucro.
- Falácia do custo irrecuperável : olhamos para o custo passado quando avaliamos o futuro.
- Escalada de compromisso: seguimos investindo naquilo que conhecemos.
- Falácia do controle : não acreditamos na sorte.
Vieses da Instabilidade
- Inércia : acreditamos no status quo.
- Viés do presente : desconsideramos o nosso futuro eu.
Outros Vieses
- Efeito Manada: A pessoal segue o que a maioria faz.
- Saliência : Avaliamos segundo a facilidade com que lembramos das coisas.
- Normas Sociais : As decisões que tomamos estão altamente influenciadas pelas nossas convicções sobre o que é justo.
- Simplificação do Processo : As pessoas são preguiçosas, quando um processo é complexo, deixam a tarefa.
- Insensibilidade aos Números : As pessoas são insensíveis aos grandes números e tomam condutas desproporcionadas.
O ser humano não gosta da incerteza, muito menos de estar errado, prefere focar em determinadas partes e não no todo, então se utiliza dos vieses e de influências comportamentais para justificar sua decisão.
E por que agimos assim? Porque somos criaturas de intuição e instinto, não máquinas de calcular. Decidimos com base em hábitos e experiências pessoais. Usamos regras práticas simplificadoras. Somos mais sensíveis a perdas do que a ganhos. Experimentamos, com frequência, conflitos de curto versus. longo prazo. Somos influenciados pelos outros, como nos vemos e queremos ser vistos.
Veja o seguinte exemplo e escolha o que você prefere:
- Ter 85% de chance de ganhar R$ 1.000 ou ter a certeza de ganhar R$ 800.
- Ter 85% de perder R$ 1.000 ou ter uma perda certa de R$ 800.
- Na primeira decisão, a grande maioria das pessoas prefere o ganho certo, ou seja, as pessoas são avessas ao risco.
- Na segunda decisão, a grande maioria das pessoas prefere apostar, arriscando a ter uma perda maior do que a que teria se escolhesse a segunda alternativa. Acabam, assim, tornando-se tomadores de risco.
Tudo isso também se aplica às nossas decisões sobre investimentos, sobre previdência. Nosso comportamento financeiro costuma ser influenciado pelas heurísticas.
Para você ter uma ideia de como algumas pessoas investem recursos sob o efeito dos vieses comportamentais, veja o que está acontecendo com a Poupança. Um artigo publicado pelo Uol em agosto de 2020 apresentou informações sobre a captação da Poupança: de janeiro a julho do corrente ano, período no qual estivemos a maior parte e ainda estamos vivenciando uma pandemia, a Poupança, apesar de render pouco, continua recebendo muito dinheiro dos brasileiros.
Analisando sob o foco da economia comportamental, descrevemos abaixo alguns fatores que podem enviesar o aporte de dinheiro na poupança:
– Pela Ancoragem: a pessoa, por ter escutado de familiares que investir na Poupança é a melhor opção, leva isso consigo para a vida toda, sendo isso uma âncora para a decisão de deixar o dinheiro na poupança.
– Pela Disponibilidade, que influencia a decisão pela lembrança que vem a nossa mente e aparece muito no comportamento geral por conta da relevância dos fatos que lembramos com mais facilidade, uma pessoa investe na poupança porque é o que ouvia em casa e, às vezes, também em conversas com amigos. Por que vai buscar algo diferente se a poupança sempre foi apresentada como algo mais garantido? A pessoa tem familiaridade com o termo Poupança, então esse é o investimento que vem à mente, quando tem algum dinheiro para investir.
– Pelo enquadramento, uma pessoa concentra sua atenção em opções específicas e aparentemente atraentes, ignorando toda a gama de opções disponíveis. É muito mais fácil uma pessoa deixar o dinheiro na poupança do que buscar outras opções no mercado.
Esses são alguns dos muitos vieses que norteiam nossas decisões na hora de investir, fazendo com que apliquemos nossos recursos em opções que talvez não sejam as melhores.
Você deve ter notado, ao longo do texto, que a Economia Comportamental está no seu dia a dia e talvez nem perceba. Assim, vamos procurar nos “Re-enviesar” ou “Des-enviesar”? Em outras palavras, vamos tentar alterar ou reduzir os efeitos dos vieses em nossas vidas ou utilizá-los de uma forma mais adequada?
Na próxima semana, abordaremos o que tem sido feito para ajudar as pessoas nessa relação com o dinheiro, utilizando a influência dos nossos comportamentos. Se você acaba sendo direcionado por informações guardadas no seu subconsciente para tomar decisões, que nem sempre são as mais adequadas, por que não aproveitar isso para ajudá-lo a usufruir melhor dessa relação?
Referência Bibliográficas
– ARIELY, D. Previsivelmente Irracional, tradução Jussara Simões, Editora Campus/Elseiver, 2008.
– KAHNEMAN, D., Rápido e Devagar, tradução Cássio de Arantes Leite, Editora Objetiva, 2011
– BAZERMAN Max H.; Moore Don A., Judgment in Managerial Decision Making, Editora Wiley, 2008
– TVERSKY, A.; KAHNEMAN, D. Judgment under Uncertainty: Heuristics and Biases.
Science, 185 (4157), 1124-1131, 1974.
– ÁVILA, F.; BIANCHI, A. M. (Org.). Guia de economia comportamental e experimental. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: economiaComportamental.org, 2015
– OLIVEIRA, João José. Poupança perde da inflação, mas às vezes trabalho de mudar não vale a pena…UOL, São Paulo, 18 de ago. 2020. Disponível em https://economia.uol.com.br/financas-pessoais/noticias/redacao/2020/08/19/aplicar-na-poupanca-nem-sempre-e-o-fim-do-mundo.htm. Acesso em 16 de set. 2020.
– Material apresentado nas aulas do MBA em Economia Comportamental da ESPM- Escola Superior de Propaganda e Marketing.